Essa é uma carta-crônica que você recebe quinzenalmente, às quarta-feiras. Um espaço de trocas sobre escrita, literatura e delicadezas do meu cotidiano em Lisboa.
Eu não lembro quando me descobri tímida. Sei que foi ainda na minha infância de menina dos anos 80, quando as fotografias analógicas revelavam o olhar sério e meio irritado da garotinha que odiava sorrir nas fotos. Meu pai era o fotógrafo da família. E folheando meu antigo álbum de infância, encontro registros amarelados feitos pelo meu pai e suas inúmeras tentativas frustradas de congelar meu sorriso no instante. Mas eu não gostava dos flashs. Não queria ser notada. E ao mesmo tempo, queria que ele e todos à minha volta enxergassem meu brilho. Era uma garotinha estranha que gostava de participar das peças de teatro da escola, das danças juninas, de me fantasiar de Emília do Sítio do Picapau Amarelo e sair bem séria de dentro de uma caixa forrada de papel laminado verde, fingindo ser uma boneca de pano com alma de artista. Acho que ali já almejava ser a menina com talento para a arte e não a garota com vocação para o marketing.
Quarenta anos depois, ando cansada de corpo, mente e alma. É uma ressaca literária pós-lançamento de livro. E de todo processo que envolve o trabalho de colocar uma obra no mundo, estou enfrentando agora a pior parte para mim: a divulgação. Eu, como a maioria das escritoras, não gosto de aparecer. Porém, para que eu seja lida, preciso aprender a soltar a minha voz e a minha imagem. Em tempos de redes sociais, isso atinge proporções desgastantes, que me fazem questionar se estou no caminho certo. Quando vem o desejo de deletar o Instagram e fugir para alguma praia deserta aqui de Portugal, realmente acho que estou exausta.
Vivemos a época do marketing pessoal, do branding. Acredito que nesse momento os marqueteiros por vocação saiam na frente, mesmo que o trabalho de muitos deles seja mais raso que piscina para bebês. Para uma escritora independente, hoje é preciso ser ativa nas redes sociais, fazer reels, participar de eventos literários e cultivar uma boa rede de contatos. Não basta se isolar por um ano em casa e escrever um bom livro. Você precisa também trabalhar na divulgação pós-lançamento. E isso resulta para mim na tal ressaca. Um excesso de ruídos que trouxe bloqueio criativo e fritou o meu cérebro.
Eu fiquei pensando muito nisso nos últimos dias e passei a me questionar se realmente é necessário ser garota propaganda de si mesma. Uma das minhas escritoras preferidas, a Carol Bensimon, vencedora do prêmio Jabuti, vive no meio do mato na Califórnia, é meio avessa ao Instagram e mesmo assim, tem uma carreira de sucesso e uma das melhores newsletters aqui do Substack, a Nevoeiro. Na semana passada, assisti a uma conversa online da Carol com a Surina Mariana, do Sofá da Surina, de quem também sou muito fã, e que mora aqui em Portugal, numa aldeia isolada no Alentejo. As duas falaram sobre escrita, meditação e divulgar o trabalho morando fora do Brasil. Para elas, a melhor divulgação é através das newsletters. É a questão do texto, das palavras que ressoam no outro. Não importa a distância. Talvez a divulgação nos ajude a atingir mais pessoas. Mas as palavras precisam chegar antes. No coração de quem lê. E isso não tem a ver com quantidade de livros vendidos.
Às vezes, sou meio ingênua, acredito mesmo que basta se dedicar e escrever com amor que as coisas se ajeitam. Pois tem algo que transcende a lógica do marketing: a nossa verdade. Ela aparece quando colocamos todo nosso suor, lágrimas e sangue num texto. Nossa alma em estado líquido que transborda um oceano de emoções, sentimentos e palavras. É isso que precisa afetar o leitor. E para chegar nesse estado de criação, é importante observar o entorno e também ouvir o silêncio que reverbera dentro de nós. O silêncio que deixamos para trás quando ouvimos apenas o barulho das redes sociais. Acho que nunca superei a Emília artista, a Lu menina que acreditava em sua arte e não no sorriso forçado para as fotos.
Sou a segunda Emília no palco, da esquerda para a direita
Obrigada por me ler até aqui.
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Beijinhos e até a próxima carta!
Lu, não se coloque tanto peso, não deixe que isso sugue sua energia. Lembre-se: a sua Elena Ferrante ninguém nem sabe quem é. Prestes a ser eleita na ABL, Ana Maria Gonçalves não tem perfil nas redes. O Alexandre Coimbra, psicólogo, fez um post bacana sobre isso, citando ainda Sebastião Salgado, Wagner Moura e Kleber Mendonça. Penso que o que me deixa exausta, é porque exagerei na dose. E aí a qualidade cai junto com a energia e a saúde. Cuide-se.
Com certeza essa é uma questão pra artistas em geral. Escuto muito "não sei fazer", "não levo jeito", mas penso que um pouco a gente precisa. Acredito demais que dá pra encontrar um meio termo, mas zero é para raríssimas exceções.